terça-feira, outubro 02, 2018

Mar Alto


ANTONIO FERRO
prefácio do Autor

Lisboa, 1924
Livraria Portvgalia Editora
1.º milhar
19,5 cm x 13,1 cm
208 págs.
subtítulo: Peça em 3 actos
impresso sobre papel avergoado
exemplar muito estimado; miolo limpo
60,00 eur (IVA e portes incluídos)

Peça inicialmente representada sem contratempos no Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro) no ano anterior à proibição da encenação lisboeta, a 10 de Julho de 1923, com escândalo e repúdios, por desabrida imoralidade a que a então popular actriz Lucília Simões dera voz. Ferro conta com pormenor, num longo Prefácio, o sucedido, tendo acrescentado no fim do livro não só uma carta de desculpas à referida mulher de teatro, como também o texto do protesto público a que se associaram, entre outros, os seguintes homens de letras: Raul Brandão, António Sérgio e Fernando Pessoa. Resta sublinhar que este manifesto perdeu ab initio o seu efeito, dado, entretanto, o levantamento da proibição.
Mas nem todos os “homens de letras” foram na época consensuais neste apoio; Victor Falcão, por exemplo, numa sua colectânea de artigos para a imprensa periódica, Páginas de Crítica (Casa do Globo Editora, Braga, 1927), exibe uma opinião independente acima de qualquer suspeita:
«[...] Se venho hoje colocar mais algumas letras no cartaz espalhafatoso de António ferro, é porque estou farto de ouvir dizer asnidades àcêrca da sua peça Mar alto, sôbre a qual caíu, provadamente, o mau olhado de todos os ciganos da crítica. O que na mór parte dos jornais se escreveu sôbre essa peça ingènuamente imoral, onde a perversidade tirita aqui e àlém, envergonhada, não é justo nem injusto – é ridículo. Rimbombam ainda os clamores contra o Mar alto, considerado uma obra libertina, com indecências psicológicas abomináveis, e eu aposto que os protestantes ficam em palpos de aranha se eu lhes pedir para me indicarem que bitola usaram para a classificação. Neste país excêntrico, habitado por um povo que adora o pagode; neste país sem igual, onde a obscenidade é alimentada nos salões; num país, como o nosso, onde o deboche asfixia impunemente as energias individuais; num país assim, sem uma élite capaz de o arrancar do lôdo, ¿quem tem o direito de considerar imoral a peça de António Ferro? Ninguém, nem mesmo o próprio António Ferro... [...]
¿É a peça de António Ferro uma obra de Arte? Não é. O Mar alto não passa de uma asneira literária, rufada inconscientemente no tambor do escândalo. As personagens são inverosímeis e devem ter sido inventadas num momento de loucura do autor. A trama da peça, feita de côres berrantes, não resiste à traça da análise do mais obscuro sapateiro de escada. A acção é uma espécie de foguetes de três respostas, com chuva de lágrimas luminosas nos intervalos. O desfecho é de uma ingenuïdade infantil, imprevista e risonha. [...]
A cultura literária de António Ferro é totalmente boulevardière. D’Annunzio deslumbrou-o, não pela sua formidável potência criadora, não pela sua assombrosa interpretação do belo e do trágico, não pelo seu saber tão feiticeiramente diluído na sua prosa principesca, mas pelo esplendor, pelo inèditismo, pela boa-fortuna dos seus processos de reclamo. Entre D’Annunzio e Colette – entre um homem de génio e uma mulher fútil – António Ferro não hesita – segue na peugada de Colette. É mais fácil e cansa menos. Colette pára muitas vezes no caminho a pôr pó de arroz na cara e carmim nos lábios. Gabriel D’Annunzio é um touriste insaciável de beleza; procura-a por toda a parte, quási sem descanso. É muito difícil acompanhá-lo, porque anda muito depressa. Por isso, António Ferro prefere seguir Colette, que dá passos miüdinhos, pára diante das montras e assobia, de vez-em-quando, para que os transeuntes a observem com espanto... De resto, António Ferro seguiu o seu caminho – instintivamente. Não sendo um combativo, não sendo um estudioso, não sendo mesmo um homem de audácia (porque a sua audácia é tão artificial como a sua imoralidade), êle só podia ser o que é realmente – uma pessoa de bom-humor, pachorrenta e teimosa, que faz paciências com as palavras, como os vèlhotes, aos serões, as fazem com as cartas de jogar... [...]»

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