sexta-feira, abril 12, 2019

A Arte da Guerra de Mestre Sun



SUN DE WU
trad. e posf. Jorge Pereirinha Pires

Lisboa, 2019
viúva frenesi
1.ª edição (5.ª tiragem)
19 cm x 13 cm
56 págs.
acabamento com dois pontos em arame
exemplar novo
tiragem de 250 exemplares
9,00 eur (IVA e portes incluídos)

Posfácio do tradutor Jorge Pereirinha Pires:
Apesar de a obra ser há muito reconhecida, a oriente e a ocidente, como um dos tratados militares clássicos, nem sempre sucedeu o mesmo com Sun de Wu. Foram vários os académicos que, ao longo dos anos, puseram mesmo em questão a própria existência do autor enquanto figura histórica.
No entanto, os primeiros anais da história da China, que foram terminados no ano 91 a.C., identificam-no como tendo de facto nascido em Wu, no estado de Chi (actual província de Shantung) e sendo contemporâneo de Confúcio no final do Período da Primavera e do Outono (722-481 a.C.), com o qual se iniciou a chamada dinastia Zhou oriental. Nessa época, no que é o actual território chinês, coexistiam uma multiplicidade de estados semiautónomos, que durante alguns séculos se guerrearam de forma constante e foram assim constrangidos a sofisticarem o seu pensamento, actuação e métodos militares, face ao permanente dilema de triunfarem ou perecerem.
Tal como fizeram os sofistas da Grécia clássica, diversos filósofos, pensadores e professores itineravam entre os diversos estados, vendendo os seus serviços e conselhos. Sun de Wu (544-496 a.C.), que ficou conhecido para a posteridade com o título honorífico de Sun Tzu, ou «Mestre Sun», distinguiu-se como comandante e estratego militar ao serviço do rei Ho-lu de Wu (514-496 a.C.), a ele se devendo sucessos como o da campanha contra o estado de Chu – nesta, observando os conselhos de Sun, o rei de Wu conseguiu conquistar a capital do seu rival em meros seis anos.
O texto de A Arte da Guerra só deverá porém ter sido fixado após a morte do autor, provavelmente já durante o Período das Guerras Entre os Estados, quando de arte de cavalheiros a guerra passou a assunto para profissionais – fazendo crescer exponencialmente o número dos mercenários e o dos mortos nos campos de batalha. Este período concluiu-se em 221 a.C, quando o estado de Chin dominou o último dos seus rivais, reclamando para o seu soberano o título de Shi Huangdi – «Primeiro Imperador» – e dando a conhecer o território pelo nome que ainda hoje conserva: China, ou terra dos Chins.
Em suma, e na melhor das hipóteses, estaremos pois diante de um relato em segunda mão sobre aquilo que Sun de Wu teria realmente a dizer acerca da guerra. O facto de, ao longo deste tratado, ele ser sempre referido como «Mestre Sun» parece indicar que o texto haja sido compilado e fixado por terceiros, pessoas que o tinham em alta estima, como normalmente sucede entre os discípulos. Um manual feito pelos seus alunos? Não exactamente – existem razões para supor que o percurso da obra seja bem mais sinuoso.
Por exemplo, o tratado de Sun de Wu teve de sobreviver à Queima dos Livros, decreto promulgado pela corte Chin em 213 a.C., ordenando que toda a literatura representativa das diversas escolas filosóficas – e muito especialmente a literatura confuciana – fosse recolhida pelos administradores regionais e lançada à fogueira. Teve também de sobreviver às vicissitudes da transmissão oral – note-se que em vários trechos (e pese embora a rima ausente) a rítmica do texto parece adequada a uma mnemónica. E, em terceiro lugar, não podemos esquecer que o texto terá sido copiado, recopiado, organizado e reeditado por diversas gerações de estudantes.
Foi apesar destes e outros obstáculos que chegaram até nós os treze capítulos tão referenciados nas literaturas do oriente e do ocidente. Até há pouco tempo, o texto canónico era uma edição datada da dinastia Sung (960-1279) que serviu de base para todas as traduções entretanto efectuadas – sendo a edição de referência uma versão inglesa bilingue publicada em 1910 por Lionel Giles, conservador adjunto do Museu Britânico.
Mas quando, após a Revolução Cultural, a China retomou as prospecções arqueológicas, foi descoberto em 1972, em Yin Chue Shan, na actual província de Shantung, um exemplar da obra de Sun que, para além dos treze capítulos clássicos (aliás acrescentados em cerca de 2.700 caracteres), continha ainda fragmentos de cinco outros entretanto perdidos. Tendo sido encontrada entre diversos artefactos funerários datados de entre 140 e 118 a.C., esta versão será pois cerca de mil anos mais antiga do que aquela que até aqui se conhecia. Estes e muitos outros textos recuperados em Yin Chue Shan só começaram a chegar ao conhecimento dos estudiosos ocidentais quando as instituições arqueológicas chinesas retomaram a publicação periódica dos seus boletins. Dada a morosidade das operações necessárias à catalogação e decifração das numerosas tiras de bambu, o primeiro relatório mencionando a descoberta de A Arte da Guerra apenas foi publicado em 1974, tendo sofrido diversas actualizações posteriores, a última das quais em 1985.
Finalmente, em 1993 foram publicadas duas novas traduções para a língua inglesa que incorporam essas descobertas recentes. Na transposição para português, acompanhámos preferencialmente a de Roger T. Ames, também pela visão compreensiva que propõe: efectivamente, revela-se fútil investigar o sentido deste texto sem entender o contexto que o originou, e um período histórico em que, para serem bem sucedidas, as campanhas militares exigiam a utilização de todos os recursos disponíveis – incluindo os recursos filosóficos. Como escreve Ames, «a guerra, na medida em que seja filosófica, é uma filosofia aplicada». Para compreendermos os seus mecanismos, passemos pois em breve revista o universo em que ela opera.
Na cosmogonia chinesa, a ideia de ordem é imanente ao mundo e às coisas, e não algo ou alguém que veio triunfar sobre o caos primordial. E, tal como a ideia de ordem, as ideias de Bem, de Belo ou de Verdade – digamos, as essências da filosofia ocidental – não são entendidas como modelos imutáveis ou formas apriorísticas da razão, mas antes como produções (culturais, portanto), que estão eternamente sujeitas a renovações e actualizações. Porque o mundo é um campo de energia (chi) que se dispõe em várias concentrações e configurações, segundo os diferentes pontos de vista e as circunstâncias por eles determinadas. E é a configuração sempre alterada destas condições específicas que determina o nosso lugar em qualquer ponto do tempo, e nos atribui assim uma disposição e uma «forma».
O tao – a «via» – é aquilo que a cada momento se torna discernível e que torna transitoriamente coerente o lugar e o seu contexto. É o padrão de continuidades que nos conduz de um acontecimento a outros. «Conhecer» é portanto um acto performativo: é ser capaz de determinar e manipular as condições que afectem, em qualquer prazo, a configuração do nosso lugar. E o objectivo da existência humana consiste em coordenar os elementos que, neste ponto do tempo e do espaço, constituem o nosso mundo particular, gerando a partir deles a harmonia mais produtiva possível – aquela que possa maximizar as diferenças, e portanto as configurações. Como se vê, trata-se de uma função predominantemente estética, e centrípeta, uma vez que irradia de nós para o mundo.
Por isso, para os contemporâneos de Sun, uma pessoa de carácter superior, alguém com a capacidade de estabelecer a «harmonia», de identificar a «via», era alguém que revelaria essa qualidade em qualquer posição ou função social, incluindo portanto a de comandante militar. Porque aquele que detém a «via» cultiva o shih, ou «vantagem estratégica»: sabe antecipar o padrão de alteração das condições que definem a sua situação, e manipulá-lo para sua própria vantagem.
Eis porque a sua primeira prioridade é sempre a de evitar a guerra a todo o custo. Caso contrário, há que garantir a integridade das nossas forças; mover o inimigo, e não ser movido por ele; e actuar onde a vitória é certa. Sem esquecer que toda a vitória militar é sempre uma derrota. O luminoso Yang equilibra o sombrio Yin.

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