PAULO DA COSTA DOMINGOS
capa de Isabel Duarte Barreto
Lisboa, 2021
Averno
1.ª edição
200 mm x 130 mm
32 págs.
exemplar novo
9,00 eur (IVA e portes incluídos)
Alguns versos:
«[…] Faziam aquilo com um estilête
na ausência total de adjectivos,
em cubículos de pouca higiene.
Na sala de espera espera-se
intrigando-se em rendas
de revista cor-de-rosa.
A dor é a cabeça de gancho
que arrepanha a vinda do cometa
reconstituir o cordão umbilical.
E caminhamos. Vento quente na face.
Com um fio de sangue escuro que traça
o mar largo numa alameda de tílias.
Esta, a poeira natural que oculta
o segredo dos segredos, o cântico
dos cânticos de uma vida anterior
folheada, folhas soltas, no álbum
onde uns gritavam, outros fodiam.
Cortemos os pulsos, mãe.
¿Não é isto uma família?!... o artigo
mil quinhentos e tal
do Código Civil.
[…]
Éramos uma casa edificada
nas traseiras da tortura,
com a serpente que guarda
o termómetro de mercúrio.
Da varanda víamos os jogos
de sociedade e a socialização
dos miúdos emporcalhados. Ali,
esporadicamente, o teatro de robertos
e o assobio do amola-tesouras, isso,
vinha cobrir, com sua música e ditos,
uivos dos prisioneiros do Estado e
as intrigas pendentes de mulheres-
-a-dias. Nosso amor corrompe
essa linha divisória no labirinto
estéril do tirano: do calabouço
já se disse quase tudo, mas havia
a caserna, o liceu, o hospital
e o manicómio ali tão perto…
Fomos uma casa do passado
e, aqui chegados, não sei
qüal a próxima Galáxia.
[…]
Qüando por vezes a neblina
nos toca e, húmidos, procuramos
a boa saída do abismo,
e o chão cheira a uma terra
escondida na infância e sorrimos
com olhos como fògos-fátuos,
penso: que nunca nos separaremos,
mãe, tu munida de: amo-te,
e um pente encarnado e o peito
morno; e o ventre vibrante
desfeito em pérolas silabadas
como escandir estes pobres versos.
Nunca estive à tua altura,
lá onde a ordem perd’ a compostura –
¡que os muros-do-asilo rugem!
Eu só não tinha que haver partido;
deveríamos ter cortado logo ali
os pulsos, o cordão umbilical,
e celebrado um potlatch tal
queimando o nosso ópio
em absoluta negação de Tudo. […]»
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